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The Response: dados obtidos por colaboração coletiva para combater a pandemia nas favelas do Rio

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Artigo de Tom Llewellyn publicado originalmente na Shareable em 28.07.2020 e como capítulo do ebook gratuito Lesson's From the First Wave que retrata lições da primeira fase de pandemia. Tradução por Tiago Giordani - tiago.giordani.translator@gmail.com

Ação comunitária da favela do Jacarezinho pela campanha Jaca contra o Corona. Foto do Gerente
Ação comunitária da favela do Jacarezinho pela campanha Jaca contra o Corona. Foto do Gerente

Um dos maiores desafios para executar uma resposta eficaz à pandemia são os dados. Sem dados precisos suficientes, é impossível saber exatamente quão abrangente e mortal é o coronavírus. Ainda há muita incerteza sobre coisas básicas, como a taxa de infecção de portadores assintomáticos ou a facilidade de transmiti-la a outras pessoas.

À medida que essa crise continua se arrastando, estamos começando a ver alguns dos resultados prejudiciais por causa dos dados incompletos. Na medida que se torna cada vez mais difícil para as comunidades defenderem os recursos de que precisam sem isso.

Um lugar onde a falta de apoio se tornou uma realidade vivida são as favelas da cidade brasileira do Rio de Janeiro.

Com 2,3 milhões de casos relatados de COVID-19 em 24 de julho de 2020, o Brasil vem em um distante segundo lugar com cerca de metade dos casos dos Estados Unidos. Mas, como aponta Theresa Willamson, fundadora do Catalytic Communities (Comunidades Catalisadoras, no Brasil), “os dados do Brasil [são] tão problemáticos de tantas maneiras que não há como fazer essas comparações agora”.

Em todo o Rio de Janeiro, as pessoas que vivem em favelas representam quase um quarto da população da cidade. E, no entanto, não há contagens oficiais de infecções específicas para cada favela. A negligência crônica e a falta de acesso a serviços públicos nessas comunidades colocam seus moradores em maior risco de transmissão comunitária do vírus e, finalmente, morte, do que em outras áreas da cidade.

Testemunhando o impacto catastrófico que o vírus está causando, uma coalizão de organizações baseadas nas favelas e seus apoiadores, como Theresa e sua equipe, se uniram para criar o Painel Unificado COVID-19 nas favelas com o objetivo de diminuir a propagação do COVID-19, manter os moradores informados sobre os novos desenvolvimentos, pressionar o governo a implementar políticas públicas e traçar uma visão precisa do impacto do COVID-19 nas favelas.

Enquanto trabalhava em seu doutorado em planejamento urbano há 20 anos, Theresa voltou para o Rio depois de perceber quantas coisas positivas estavam realmente acontecendo nas favelas. Logo depois, fundou o Comunidades Catalisadoras para apoiar o desenvolvimento de iniciativas locais. Ela também queria mudar a narrativa dominante sobre essas comunidades com o objetivo final de garantir políticas públicas mais produtivas que se baseassem nas histórias únicas das favelas.

Ao longo de nossa conversa, discutimos muitas das respostas lideradas por favelas frente à pandemia – coisas como distribuição de alimentos, técnicas de comunicação e o painel de rastreamento. Também abordamos a importância da memória histórica pós desastres e outras crises e como o legado do Rio de ser o maior porto de escravos do mundo continua a mostrar o desastre social contínuo que as favelas enfrentavam antes da pandemia.

Crowdsourcing data to fight the pandemic in Rio’s favelas 


The Response, parte integrante do Shareable.net, é um documentário, livro e série de podcasts que explora como as comunidades estão edificando a resiliência coletiva após desastres.

Abaixo está uma transcrição do episódio, modificada para uma melhor leitura.

 

Tom Llewellyn: Oi Theresa. Obrigado por vir ao The Response.

Theresa Williamson: Oi Tom. É um prazer. Obrigada por me receber.

 

Você pode se apresentar e compartilhar um pouco sobre a sua jornada pessoal?

OK. Eu sou Theresa Williamson. Sou urbanista e há 20 anos fundei uma organização sem fins lucrativos aqui no Rio, no Brasil, chamada Comunidades Catalisadoras. Eu sou do Brasil, do Rio, mas me mudei para os Estados Unidos quando tinha 6 anos, e cresci lá, fui para todas as escolas do EUA, e então quando eu estava fazendo doutorado em planejamento urbano, decidi voltar, trabalhar com as favelas das cidades. Isso me levou a perceber quantas coisas positivas realmente acontecem nessas comunidades.

Criei uma ONG, uma organização sem fins lucrativos, para apoiar esses esforços locais para começar a mudar a narrativa sobre essas comunidades para que possamos obter políticas públicas mais produtivas que se baseiem em suas histórias.

Antes de mergulharmos no trabalho que está acontecendo no Rio agora, gostaria de saber se você pode começar descrevendo como era a vida nas favelas antes da pandemia.

Sim. Bem, a vida nas favelas é difícil de descrever com uma espécie de frase de efeito, porque elas são muito diversas. Essa é provavelmente a principal característica dos assentamentos informais. Pelo fato de não serem regulamentados, e porque são tão impulsionados por fatores locais, eles são realmente muito diferentes um do outro. Parte do problema que enfrentam é a ampla estigmatização dessas comunidades. Mas, na verdade, no campo, você pode encontrar todos os tipos de condições, desde comunidades que são incrivelmente vibrantes, habitáveis, bairros de escala humana onde as pessoas conseguiram melhorar suas vidas ao longo de gerações, e investir na comunidade e ter um tipo forte de setor de negócios local e muita solidariedade, que realmente é outro fator determinante dessas comunidades. Pessoas se ajudando.

Mas elas também são marcadas pela negligência. Esse é outro tema comum que produz assentamentos informais e favelas. Você também pode encontrar comunidades onde as condições informais levaram ao caos, e essas são muitas vezes as que ouvimos na mídia; essas são comunidades onde você pode ter traficantes de drogas ou milícias vigilantes assumindo o controle; onde os moradores têm mais dificuldade em sair da pobreza, ou se auto-organizar, ou defender-se e assim por diante. Assim, o dia a dia dessas comunidades varia drasticamente. Mas o que eu diria que é comum é a autocriação. Estes são bairros feitos por seus moradores; muito vibrantes culturalmente; tendo uma rica vida social; muitas pessoas que se engajaram no tecido da comunidade, seja individualmente, em família e tentando melhorar suas vidas familiares, ou coletivamente, por meio de melhorias coletivas. E então apenas lutando, também. Há lutas intermitentes, às vezes regulares, dependendo do estado da economia, da criminalidade do bairro e das operações policiais que chegam e podem ser devastadoras. É importante ressaltar que há também o legado da escravidão no Brasil que produziu essas comunidades em primeiro lugar. Então, sim, as favelas não são novas. São bairros históricos. A favela mais antiga tem mais de 120 anos, a grande maioria tem mais de 50 anos. Então, esses bairros são bairros estabelecidos, mas começaram dentro... As primeiras favelas foram formadas 10 anos depois da abolição. O Rio foi o maior porto negreiro da história mundial e, portanto, as pessoas que haviam sido escravizadas no final do século dezoito, após a abolição, procuraram um lugar para morar. Não havia nenhum lugar formal, então eles ocuparam espaços abandonados, ou terrenos baldios, ou encostas, e criaram casas e comunidades que, em última análise, agora têm uma grande história.

Antes da pandemia era complexo, e agora continua a ser complexo, mas muito diferente.

 

Quando a pandemia atingiu o Rio, qual foi a resposta inicial e, à medida que continuou, como a resposta da comunidade evoluiu ao longo desse tempo?

Quando vimos a pandemia à distância pela primeira vez, olhando para a China e para a Europa, havia uma espécie de esperança, acho que em algum nível aqui no Rio, inclusive nas favelas, de que não chegaria até nós. Havia uma sensação nas favelas de que, se chegasse ao Brasil, ficaria entre os ricos, porque havia uma sensação de que vinha da Europa, e vinha de pessoas que viajavam, e então viria a ser uma doença de gente rica. Acho que [algumas] pessoas sabiam que poderia chegar, pessoas como eu. Eu estava com medo de que, se chegasse, o estrago pudesse acontecer. E assim, estávamos meio esperançosos de que não.

Uma vez aqui, em março, entramos em quarentena muito rapidamente, imediatamente, uma ou duas semanas depois, tornando-se óbvio que era um problema local. As favelas também foram alvo das quarentenas, e houve uma crescente conscientização geral. Ainda havia a sensação de que era uma doença de rico entre alguns moradores, mas as favelas do Rio estão realmente cheias de organizadores locais. Algumas comunidades possuem centenas de grupos locais em um bairro. Outros têm menos, mas em geral você encontrará pessoas locais que estão trabalhando para melhorar sua vizinhança e, portanto, essas pessoas estavam bastante ligadas. Elas sabiam que o governo não faria muito por elas, se alguma coisa, como sempre foi o caso, então eles começaram a se organizar muito rapidamente e começaram a se organizar em várias frentes.

Portanto tudo, desde informação, até tentar conscientizar os moradores sobre os riscos e como preveni-los, mas também ajudar a tentar criar as condições para as pessoas através da identificação, captação de recursos, campanhas de financiamento coletivo para suprimentos de alimentos e suprimentos de higiene. Esses esforços realmente cresceram. Eles têm sido significativos, esses esforços baseados na comunidade local na prevenção e mitigação. Eventualmente, talvez em um mês ou dois, vimos alguns grupos comunitários perceberem que precisavam de dados e começaram a criar painéis de casos em sua comunidade, obtendo informações de clínicas locais e de outros lugares para tentar ver [quem]... estava sendo afetado, para que pudessem tentar ajudar a evitar que se espalhasse.

Infelizmente, a pandemia continuou a crescer aqui. Está meio que se estabilizando, mas ainda é alto e possivelmente aumentará novamente porque suspendemos a maioria das restrições recentemente. E assim, o que aconteceu é que tivemos pessoas, que por vários motivos, passam muito mal ou simplesmente não atendem à quarentena e outras recomendações. Máscaras e assim por diante. Há muitas razões para isto. Alguns deles envolvem apenas uma falta básica de compreensão de como o vírus funciona e se as máscaras são realmente relevantes. Temos um presidente no Brasil, semelhante aos EUA, que há meses nega a pandemia e insinua que as máscaras não são úteis, ou viris, etc. Também temos, por exemplo no caso do Brasil, as redes de segurança que deveriam ser aprovados e acessíveis em termos de verificações básicas a que as pessoas deveriam ter acesso, essas não chegaram a muitas pessoas.

Muitas pessoas trabalham informalmente e dependem do setor informal da economia, o que significa que não serão [pagos]. Ninguém vai pagar dinheiro a eles se eles não saírem de casa. Eles têm que sair de casa e tentar trabalhar. Quando as pessoas estão vivendo literalmente de salário em salário, ou mês a mês, ou mesmo dia a dia, é muito difícil fazer com que as pessoas parem. Há também o elemento psicológico histórico de pessoas que estão tão acostumadas a lutar, isso parece apenas mais um problema. Isto não parece inicialmente para as pessoas como particularmente significativo em relação às outras ameaças que as pessoas enfrentam, seja violência policial, lutas econômicas ou outros problemas de saúde.

 

Sim, e você mencionou um pouco sobre o tipo de contexto político para o que está acontecendo, e como tem sido difícil ter uma resposta governamental organizada, como estamos tendo aqui nos Estados Unidos também. Gostaria de saber se você pode falar um pouco sobre os problemas de rastreamento da pandemia e como isso está afetando as pessoas que vivem nas favelas em torno do apoio ou comunicação, e depois um pouco sobre o novo painel que eu sei que você tem sido fundamental na criação para ajudar a aliviar alguns desses problemas.

O Brasil tem sido muito lento nos testes. A grande maioria dos casos não está sendo contabilizada e isso é particularmente grave nas favelas.

Então, o que isso nos deixa é um déficit total de dados. Realmente não temos uma ideia clara. Às vezes ouço notícias dos EUA e eles estão comparando os EUA com o Brasil, e penso comigo mesma que os dados do Brasil são tão problemáticos de tantas maneiras, que não há como fazer essas comparações agora. Tudo será depois do fato, quando olharmos para trás e compararmos ano a ano, as mortes e os casos. Muitas pessoas estão morrendo em suas casas. Muita gente está morrendo supostamente de comorbidade e outros fatores, então isso é outra coisa.

Em resposta a tudo isso, nossa organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras, como mencionei, está preparada para apoiar os organizadores locais nas favelas e, à medida que a pandemia se instalava, mudamos todas as nossas atividades para fornecer diferentes tipos de apoio logístico às pessoas no terreno que fazem o trabalho de prevenção e mitigação. E uma das áreas que surgiram foi essa área de déficit de dados.

Existem comunidades que estão fazendo um trabalho incrível coletando dados de campo. Em alguns casos, eles estão usando registros públicos, então eles estão usando dados de clínicas da família locais de seu bairro, mas, novamente, isso inclui apenas confirmações baseadas em testes. Existem algumas comunidades onde eles estão realmente circulando e conversando com os moradores e analisando sintomas e casos suspeitos. Uma favela chamada Maré, que na verdade é um complexo de 16 favelas, tem uma organização comunitária muito bem estabelecida e de renome mundial chamada Redes da Maré. Eles têm escritórios locais em todos os 16 bairros da Maré, e esses espaços se transformaram em um centro, aonde as pessoas vêm e podem ver quem tem casos suspeitos e assim por diante.

Os melhores dados de qualquer favela do Rio vêm da Maré, por causa desse esforço, ou favelas muito pequenas, onde um organizador local conhece todo mundo e eles estão analisando os casos e mantendo um registro. Mas a maioria das favelas está em algum lugar intermediário. Há alguns, novamente como eu disse, que estão usando dados públicos, e há muitos, muitos, a grande maioria, onde nenhum dado está sendo coletado. Aquelas onde há esforço de coleta de dados geralmente são aquelas que já estão historicamente mais organizadas. Eles têm jornais locais, feeds de mídia social locais. Eles têm uma série de organizações e coletivos locais que trabalham juntos historicamente. Então, eles reaproveitaram todo esse conhecimento histórico de como se organizar e agora o estão usando e geralmente prevenindo e mitigando o efeito da pandemia.

De qualquer forma, tudo isso nos levou a perceber que havia uma necessidade real de uma espécie de painel central e unificado com foco nas favelas. As favelas são, de longe, as áreas mais vulneráveis do Rio em relação à pandemia por causa de seu ambiente construído, ambiente altamente social, denso, prosperidade econômica limitada e serviços públicos de baixa qualidade, serviços de saneamento, como água e esgoto. A cidade realmente deveria ter um esforço específico para enfrentar a pandemia nas favelas, mas ignorou totalmente esses territórios, como sempre. Quase sempre tem.

Havia a necessidade de um lugar que só focasse nas favelas, que tentasse documentar, coletar dados de todas as favelas, porque não havia esforço para isso. E também o mapeia, para que seja visual e ofereça um espaço para contar dados suspeitos e confirmados, então essas são todas as coisas que entraram no projeto do painel unificado COVID-19 nas favelas, que está disponível em favela.info no site da internet. Lançamos há algumas semanas e agora estamos realmente focando em aumentar o conjunto de dados.

E uma vez que você tenha esses dados, como você espera poder usá-los para beneficiar as pessoas dentro das favelas?

Inicialmente, quando lançamos, o foco estava em chamar a cidade, chamar o governo sobre essas questões da doença. Não em contar casos suspeitos, ou colocar em foco as favelas especificamente. Agora, o foco está em aumentar o conjunto de dados para que moradores e organizadores locais possam usar essas informações para chegar aos moradores e continuar incentivando as pessoas a observar as regras, as necessidades, continuar incentivando as pessoas a se distanciarem fisicamente, usar máscaras, evitar sair, etc. Mas também, para que eles possam ir às autoridades locais e dizer: “Olha, agora temos dados de que nossa favela há tantos casos e precisamos de recursos para resolver isso”.

Em última análise, assim que tivermos um conjunto de dados completo da melhor maneira possível, poderemos traçar uma imagem muito mais precisa do verdadeiro impacto da pandemia e da negligência do setor público nessas comunidades durante esse período. Estamos tentando agora salvar vidas criando um conjunto de dados que ajuda os organizadores locais a defender o apoio, garantindo que os moradores saibam que a situação ainda é crítica. Porque realmente, temos uma pressão social muito forte e uma pressão econômica e política agora para que as pessoas ignorem a pandemia e finjam que é apenas mais uma parte da vida e, obviamente, isso será devastador. Já foi devastador.

Eu não mencionei isso, mas parte do motivo pelo qual começamos o painel foi obviamente inspirado pelas iniciativas em que as comunidades coletavam dados, mas também porque, quando a pandemia começou, Comunidades Catalisadoras, transferimos todas as nossas atividades para o online. E assim, estamos fazendo reuniões noturnas com organizadores comunitários nas favelas há meses. Já tivemos mais de 70 reuniões. Na verdade, acho que são quase 90 reuniões. Estávamos ouvindo caso após caso de líderes comunitários nos dizendo quem havia morrido e quem estava infectado em comunidades que não estavam em nenhum painel público ou mesmo em outros painéis comunitários.

Só precisávamos de um espaço para que as pessoas pudessem fazer essa denúncia e garantir que esses casos fossem registrados.

 

Essas conversas fizeram parte das aulas que você tem dado? Eles se sobrepõem ou são mantidos separados?

Essas conversas são as precursoras das aulas, portanto, são reuniões privadas e de menor escala que temos com os líderes locais à medida que identificamos as necessidades e como podemos trabalhar juntos. Mas então, no processo de realização dessas reuniões, surgiram ideias para a necessidade de aulas sobre diferentes questões, e essas aulas são grandes, são abertas ao público, geralmente tem cerca de 100 pessoas no Zoom [reunião], e depois até mil no Facebook. É claro que as colocamos no YouTube e escrevemos artigos sobre elas, e assim elas ganham muita visibilidade.

E esses ensinamentos são sobre as questões que surgem. Tivemos uma aula sobre como se mobilizar na pandemia e como comunicar sobre a pandemia dentro das favelas, dadas todas as circunstâncias sobre as quais falamos aqui.

 

Posso perguntar-lhe um pouco sobre as comunicações? Porque tenho certeza de que a comunicação de uma maneira que as pessoas entendam precisa ser matizada. Gostaria de saber se você pode falar sobre algumas das técnicas e ferramentas que foram bem-sucedidas ou pelo menos tentaram comunicar sobre a pandemia e os problemas que a cercam, mas também alguns dos recursos disponíveis.

Quando fizemos uma aula sobre como falar sobre o coronavírus nas favelas, foi com os comunicadores locais. Principalmente pessoas que [sabem] como chegar aos moradores. Eles próprios são moradores e estão sempre tentando descobrir como chegar a outros moradores. O que vimos lá foi uma diversidade real de técnicas, abordagens, que vão desde o pessoal em termos de tecnologia que usam, desde banners e grafites com dados e informações, até caixas de som em cima de veículos ou até mesmo podcasts. Ouvimos muito sobre apoio mútuo e apoio.

Há uma organização na favela Paraisópolis em São Paulo que está representada nesse painel. Eles falaram sobre como quando entregam suprimentos para famílias necessitadas, eles entregam em casa em um horário não revelado. Então, incentivando as pessoas a ficarem em casa. Mas ainda é muito difícil obter uma aceitação universal. As favelas de certa forma são espaços realmente livres, onde as pessoas fazem suas próprias coisas, mesmo que coletivas, e isso cria uma espécie de justaposição. É difícil resolver isso facilmente, mas é por isso que você precisa ter pessoas no campo que conheçam sua comunidade, que conheçam as personalidades, a cultura local e como as pessoas provavelmente envolverão com novas informações.

Tivemos [aula] sobre saúde mental durante a pandemia nas favelas. Tivemos uma aula dos erros cometidos pela mídia cobrindo favelas durante a pandemia. Tivemos uma aula ao vivo sobre soberania alimentar e como alguns grupos de favelas locais estão organizando cestas básicas de alimentos saudáveis e como estão fazendo isso, como estão conectando favelas a agricultores orgânicos agora. Tivemos uma aula sobre energia solar e se é possível após a pandemia. Então, todos os tipos de ideias surgiram.

Também temos uma campanha muito forte em andamento apoiando os catadores, porque eles realmente fazem 90% da reciclagem do Brasil e são algumas das pessoas mais impactadas pela pandemia. Alguns deles vivem nas ruas. E tem a questão da contaminação do próprio trabalho de reciclagem. Além disso, o setor de reciclagem está pagando muito menos pelo material nesse momento, e por isso fizemos uma campanha para conscientizar sobre a importância deles para a nossa a nossa sociedade aqui, e como podemos ajudá-los e conhecer as pessoas que fazem esse trabalho e apoiá-los diretamente.

Nós até tivemos [uma aula] recentemente sobre saneamento e sobre como a organização da comunidade está mudando durante a pandemia. O próximo é realmente emocionante na segunda-feira. Vai ser uma conversa muito importante sobre memória após a pandemia, e há um ditado que diz que os brasileiros não têm memória, e parece bastante pertinente quando pensamos no legado da escravidão aqui e como isso é pouco discutido. Essas coisas mal são ensinadas na escola. E então, estamos brincando com isso e dizendo: “O povo brasileiro tem memória?” E como a memória vai ficar registrada nesse período de pandemia nas favelas?

Então, todas essas aulas são realizadas principalmente por organizadores comunitários das favelas que estão discutindo essas questões.

 

Essa ideia de memória coletiva é algo que surge repetidamente após desastres de todos os tipos e grandes crises, porque muitas vezes há um forte desejo de voltar ao que antes era uma sensação de normalidade. No entanto, esses momentos fornecem esse tipo de oportunidade crítica para reimaginar nossas comunidades de novas maneiras que são mais empoderadoras para as pessoas dentro delas, que têm maior justiça e equidade. Esse é um tema que continuamos a tentar explorar durante The Response. Um grande exemplo disso foi quando fizemos um episódio na temporada passada olhando para Paradise, Califórnia. Um incêndio destruiu quase toda a comunidade há quase dois anos e, no episódio, acompanhamos algumas das lições da cidade de Onagawa, no Japão, depois que ela foi destruída por causa do tsunami após um terremoto em 2011.

Eles passaram por um processo participativo para reimaginar como a comunidade realmente é fisicamente. Mudaram para onde todo mundo mora, e muito trabalho foi feito para manter a memória da tempestade, para não voltar a ser como era antes, porque já era precário, como as coisas parecem ser nas favelas. Isso será algo que eu sei que estarei interessado em rastrear; como parte dessa memória mantida avançando onde você está também. Outra coisa que vemos repetidas vezes durante os desastres é que a força e o número de relacionamentos que as pessoas têm é um importante determinante de como as pessoas se saem durante os desastres. Você falou sobre a rica história que há nas favelas, a criatividade e o talento artístico que muitas vezes é outro fator forte quando se trata de laços sociais. Você pode falar sobre alguma história que tenha surgido, de pessoas aparecendo e apoiando umas às outras?

Quais são as maneiras pelas quais as pessoas estão trabalhando umas com as outras em seus bairros para atender às necessidades básicas que estão enfrentando?

Eu concordo com tudo o que você disse. Acho que uma das variáveis que mais demonstraram sucesso é a capacidade de ficar de olho no passado e seguir em frente, e realmente manter essa história em mente. Temos um problema com isso no Brasil. É uma questão significativa. O Chile fez seu processo de olhar para a ditadura imediatamente. Eles criaram um museu de direitos humanos que praticamente todos os chilenos visitam até hoje, e é ensinado na escola desde muito cedo. Processos semelhantes aconteceram como apartheid na África do Sul, na Alemanha nazista e em outras partes do mundo. O movimento pelos direitos civis e a maneira como é ensinado nas escolas do EUA, apesar de suas limitações, é significativamente mais do que qualquer coisa que temos aqui em termos de ensino sobre a história da escravidão ou da ditadura militar.

Quando você não ensina sobre essa história e quando você não reflete sobre ela enquanto constrói uma sociedade, você não progride, e vemos isso no Brasil; é um caso de livro didático. O Rio talvez seja o mais óbvio, porque novamente, foi o maior porto negreiro do Brasil e do mundo, e ainda não fala sobre isso.

Concordo que é um grande risco aqui da pandemia que vamos sair dessa, e você ouve isso até nas favelas, você ouve moradores dizerem: “não vejo a hora de as coisas voltarem ao normal”. E realmente me parte o coração toda vez que ouço alguém dizer isso, porque o normal é tão ruim em termos de injustiça, em termos de acesso a direitos básicos e tratamento. No entanto, quando você fala com os organizadores, eles estão muito cientes do potencial e precisam transformar as coisas com base no que está acontecendo. Há uma diferença entre o residente médio, que está apenas tentando viver suas vidas e melhorar, e as pessoas que estão tentando ativamente mudar e transformar suas comunidades.

Desculpe, acho que perdi a pergunta. Ainda estava refletindo sobre seu comentário anterior. Você pode apenas me lembrar?

Sim. E também não há julgamento sobre pessoas que estão apenas tentando sobreviver. É claro que existem pessoas que estão apenas tentando aliviar uma parte do dano que está sendo causado a elas, então é completamente compreensível que haja essa dicotomia. Nem todo mundo terá o privilégio de poder olhar para frente, e é um grande privilégio poder sair e protestar. Como às vezes você não pode passar pelos canais normais. A gente fala que quando o trator está na sua porta, é tarde demais para escrever uma carta para o governo, sabe? Você tem que ficar na frente dele ou sair do caminho e seguir em frente e trabalhar na próxima luta.

Para voltar ao que eu estava perguntando, eu só queria saber como as pessoas estão se mostrando umas para as outras. Porque nem sempre é dessas grandes maneiras. Nem sempre se trata de mudar a estrutura, é só aparecer e trazer comida, checar uns com os outros, garantir que as pessoas que estão adoecendo consigam apoio. Quaisquer que sejam essas coisas aparentemente pequenas, elas realmente se somam de uma maneira muito grande quando são agregadas. E então, isso era realmente o que eu queria chegar, era a minha pergunta, quais são algumas das histórias de como as pessoas estão aparecendo umas para as outras?

Sim. Absolutamente. As pessoas estão aparecendo umas para as outras em todas as favelas, em todas as sociedades. Na verdade, temos alguns dados recentes que mostram que cerca de 49% dos brasileiros fizeram algum tipo de doação durante a pandemia, o que é muito significativo, mas na verdade esse número sobe para 63% entre os moradores de favelas. Então, há uma grande solidariedade nessas comunidades entre as pessoas que têm menos, e por isso ouvimos histórias de organizadores comunitários sendo muito mais ativos, fora de casa, mesmo que isso os coloque em grande risco. Claro, eles estão usando máscaras. A produção de máscaras, na verdade, era uma grande coisa no início da pandemia. Todos os grupos comunitários começaram a produzir máscaras e garantir que todos tivessem acesso.

E as cestas básicas. Essas campanhas de alimentos arrecadam dinheiro para poder fornecer às famílias uma cesta que basicamente as abastece de alimentos por cerca de um mês. É de muito baixa qualidade nutricionalmente, infelizmente, razão pela qual alguns dos grupos comunitários que estão trabalhando agrossilvicultura e diferentes tipos de agricultura orgânica, ou tentando. Existem grupos comunitários nas favelas que têm hortas comunitárias e assim por diante. Alguns desses tipos de grupos têm trabalhado para tentar criar uma versão mais saudável, mas há o mesmo risco que todos enfrentamos. É “nós saímos e ajudamos as pessoas ou estamos nos colocando em risco?”

Você ouve muitas pessoas dizendo: “Bem, estou saudável, então vou sair e fazer essas entregas”. E outras pessoas dizendo: “Estou em risco ou meu familiar está em risco, então tenho que ficar em casa”. São exatamente os mesmos tipos de perguntas que todos nós enfrentamos que estão tentando fazer algo útil. Mas a solidariedade que sempre existiu ainda existe. Como eu disse no começo, há tanta diversidade nessas comunidades. Sabemos de todos esses casos em que as comunidades estão se organizando para ajudar e os moradores estão se esforçando para ajudar uns aos outros. Também ouvimos casos de pessoas que se sentem incrivelmente isoladas e solitárias. Eles estão acostumados a ambientes muito sociais, onde as pessoas estão na rua conversando umas com as outras, e talvez em algumas favelas isso não esteja acontecendo tanto, então as pessoas estão se sentindo isoladas.

Mas também ouvimos falar de casos em que algumas comunidades agora se tornam estigmatizadas de ter o COVID-19. Se você tem COVID-19, agora está estigmatizado, como no início da epidemia de HIV, ou literalmente como a praga. Há comunidades em que você ouve as pessoas dizerem: “Fulano tem o COVID-19. Tire-os daqui.” E assim, você tem realmente uma diversidade de respostas, mas eu diria que muito mais do que você ouve é que as pessoas estão apenas tentando fazer o que podem para ajudar umas às outras. As cestas básicas literalmente salvaram milhares de vidas durante essa pandemia. O mesmo conjunto de dados [link acima] falou que nove em cada 10 moradores de favelas receberam algum tipo de doação neste período. Noventa e um por cento deles receberam comida. Estes vieram de uma variedade de fontes como ONGs, mas 52% vieram de vizinhos, amigos e parentes. E apenas 36% do governo.

Tem sido muito importante ter essas redes de solidariedade, e é muito comum ouvir dos organizadores locais que mais importante do que qualquer outro recurso em sua organização são as redes a que pertencem e das quais participam. É esse lançamento de uma ampla e grande rede de apoio e construção de pontes com diferentes grupos que realmente foi fundamental.

Mas o déficit é enorme. A negligência de gerações ainda está lá. E então, é novamente, uma situação muito complicada, muito complexa com a qual estamos lidando aqui.

 

Como você acabou de mencionar, as comunidades que vivem em favelas já estão enfrentando um desastre social contínuo. Está claro que esta pandemia não está acontecendo em uma bolha, e também são essas comunidades que enfrentam vários do que chamaríamos de desastres naturais. Existem outros desastres naturais que estão no horizonte ou estão acontecendo agora que vão exacerbar o que já está ocorrendo?

Então, o maior desastre que as favelas estão enfrentando agora, além da pandemia, é apenas a recessão econômica em que vivemos desde 2014, porque os afeta mais profundamente. É um desastre social. Em termos de desastres naturais, o mais impactante aqui no Rio são as chuvas de verão. Todo o verão, temos alguns períodos de chuvas intensas. Às vezes isso leva à deslizamentos de terra em favelas que estão em morros e inundações em favelas que estão em áreas baixas. Agora, nos últimos anos, na verdade não este ano, mas os dois anos anteriores tiveram chuvas históricas, e muitas pessoas foram afetadas e algumas pessoas morreram.

Então, esse é o grande desastre natural que meio que enfrenta as favelas, mas é sazonal. No momento, não está impactando ou no horizonte para as pessoas. Mas nossos desastres são feitos pelo homem aqui. Tem uma velha piada que Deus criou o mundo e criou o Brasil, e o Brasil era perfeito, mas aí ele disse: “Mas olha só as pessoas que vou colocar lá”. Os brasileiros contam essa piada. Piada autodepreciativa. Há uma ideia de que há questões tão profundas que não são abordadas que produzem o grande número de assassinatos policiais, alguns dos piores dados de desigualdade do mundo em termos de índice de Gini e as questões territoriais, e então essas são realmente muito mais críticos aqui ainda do que os desastres naturais. Dito isto, com as mudanças climáticas, tudo isso pode ser diferente em cinco ou 10 anos, então não sabemos.

 

Conforme nos encaminhamos para o final, estou apenas me perguntando se há mais alguma coisa que você gostaria de compartilhar.

Poxa. Acho que falei a maior parte. Eu sei que sua temporada está focada na resposta das pessoas à pandemia, e acho que o Rio é um lugar realmente importante para as pessoas olharem para isso, e a maneira como as comunidades das favelas responderam é realmente exemplar. Ao mesmo tempo, não há como preencher a lacuna, e agora estamos fazendo de tudo, desde fornecer alimentos como sociedade civil a máscaras e produtos de higiene, informações e coleta de dados. A esperança é que possamos transformar a cidade no futuro com base no que estamos aprendendo agora. Certamente, a sociedade civil está mais forte para essa pandemia e, sairemos dela continuando a nos organizar.

Como muitos lugares, acho que é um sinal de esperança. Espero que seja uma chance de algo diferente em breve para todos nós.

 

Muito obrigado por participar. Foi realmente um prazer conversar com você e esclarecedor para saber mais sobre o que está acontecendo no Brasil.

Muito obrigado, Tom. Foi um prazer.

Outro

Se você estiver interessado em contribuir para os esforços de resposta à COVID-19 das Comunidades Catalisadoras nas favelas do Rio de Janeiro, confira a campanha de financiamento coletivo em www.bit.ly/FavelaCovidResponse.

 

Você apoiará os esforços da Rede Favela Sustentável para construir a resiliência da comunidade, relatório independentes sobre a pandemia, o Painel Unificado Covid-19 nas Favelas e seus esforços de prevenção da comunidade.

 

The Response é produzido e apresentado por mim, Tom Llewellyn, nosso produtor da série é Robert Raymond, e nossa música tema foi fornecida pela Cultivate Beats.

 

Este é um projeto da Shareable, uma mídia sem fins lucrativos, rede de ação e consultoria que promove soluções baseadas em pessoas para o bem comum.

 

Tenho o prazer de anunciar que nosso documentário, “The Response: How Puerto Ricans Are Restoring Power to the People” recebeu um Prêmio de Excelência nas categorias Documentário Curta e Impacto do Espectador da Accolade Global Film Competition.

 

Por favor, visite theresponsepodcast.org para assistir ao trailer e saber como hospedar uma exibição virtual do filme para sua comunidade. Enquanto estiver lá, você pode encontrar todos os episódios deste programa, baixar uma cópia gratuita do nosso e-book e explorar recursos adicionais para construir resiliência coletiva.

 

O apoio para esse projeto foi fornecido pelas fundações Threshold, Shift, Guerrilla, Clif Bar Family e Abundant Earth, patrocinadores da Shareable, incluindo Tipalti, MyTurn e NearMe, e doações dedutíveis de impostos de ouvintes como você.

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Para saber mais:

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