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O Coronavírus catalisa uma crescente onda de ação popular apesar do distanciamento social

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Artigo de Robert Raymond publicado originalmente na Shareable em 18.03.2020 e como capítulo do ebook gratuito Lesson's From the First Wave que retrata lições da primeira fase de pandemia.

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Tradução por Tiago Giordani - tiago.giordani.translator@gmail.com

Rapaz com boné com os dizeres "Love Your Neighbor" (Ama o teu próximo, em português)
Foto da Nina Strehl no Unsplash

O isolamento, a quarentena e o distanciamento social podem ser uma estratégia eficaz ao lidar com uma pandemia global como o coronavírus. Mas, infelizmente, em uma economia global que tem sido atormentada por 40 anos de neoliberalismo, os laços sociais que ajudam a criar comunidades fortes e resilientes foram corroídos tão fortemente que a estratégia de distanciamento social, embora necessária, está tendo muitas consequências imprevistas.

Diante desses desafios, há uma onda de ação popular em vilas e cidades nos Estado Unidos e no mundo. Embora muitas vezes escondidas sob a superfície, essas respostas populares estão crescendo rapidamente em escopo e escala. Frequentemente, são formados espontaneamente por indivíduos e grupos que reconhecem as necessidades imediatas das pessoas ao seu redor e optam por agir.

Muitas dessas respostas assumem a forma de ajuda mútua – ajuda popular, horizontal, liderada pela comunidade, que surgiu espontaneamente para ajudar as pessoas afetadas de alguma forma pela pandemia. Existem muitos exemplos para listar aqui, com centenas de documentos do Google, guias de recursos, webinários, canais de mensagens instantâneas (slack channels), encontros online, programas de empréstimo de pessoa para pessoa, e outras formas de ajuda mútua emergentes online e no local.

Uma das formas mais diretas de resposta da comunidade é simplesmente checar os vizinhos – especialmente os idosos ou aqueles que são imunocomprometidos. Um exemplo disso vem da Filadélfia, onde uma folha de inscrição on-line para os necessitados, intitulada “Vizinhos ajudando vizinhos: Ajuda mútua na Filadélfia para pessoas afetadas pelo COVID-19”, está circulando. Outros exemplos simples e replicáveis de ajuda da vizinhança incluem coisas como fundos de empréstimo de zero por cento para amigos e familiares necessitados e até coisas como sopa em grupo.

Conforme documentamos em nosso podcast, The Response (A Resposta), em períodos de desastre e crise, as comunidades mais vulneráveis costumam ser as mais atingidas. Isso não é o diferente com a pandemia de coronavírus. As pessoas especialmente vulneráveis ao distanciamento social e à quarentena são as que vivem com deficiência e as que vivem na rua. Nas últimas semanas, o Disability Justice Culture Club (Clube de Cultura de Justiça para Deficientes) em Oakland começou a se esforçar para lidar com alguns dos desafios únicos a que essas comunidades são submetidas em face de uma pandemia.

O grupo começou seus esforços de ajuda mútua durante as interrupções de energia da PG&E (“Pacific Gas and Electric Company”, companhia de produção de eletricidade), arrecadando dinheiro para geradores e fornecendo purificadores de ar para os necessitados. Durante a crise atual, o clube continuou ativo.

“Temos feito kits com desinfetante para as mãos, lenços umedecidos e luvas, e distribuindo para pessoas que não podem sair de casa ou não podem comprar esses itens”

disse Jay Salazar, um organizador do Disability Justice Culture Club, ao Shareable. “Estamos indo para acampamentos sem-teto e distribuindo os kits para essas comunidades também.”

O Disability Justice Culture Club também criou um documento on-line do Google com o objetivo de conectar indivíduos sem deficiência com aqueles que têm necessidades específicas. “As necessidades podem estar em qualquer lugar, desde precisar de comida, fazer recados ou pegar remédios”, explicou Salazar. “Basicamente, [os voluntários] nos dizem o que são capazes de fazer e nós os conectamos às pessoas que precisam”.

Esses tipos de documentos do Google e planilhas on-line disponíveis ao público são uma forma comum e eficaz de identificar e atender às necessidades exclusivas durante uma época de distanciamento social. Por exemplo, no fim de semana em Ann Arbor, Michigan, os dormitórios da Universidade de Michigan foram fechados depois que o governador Whitmer anunciou os primeiros casos confirmados de COVID-19 no estado. A resposta da comunidade foi rápida.

“Tudo começou com uma simples postagem no Facebook informando aos amigos que meu parceiro e eu aceitaríamos qualquer pessoa que utilizava os dormitórios da Universidade de Michigan e que não tivesse onde ficar”, disse o organizador Sharif-Ahmed Krabti ao Shareable.

“A partir dessa postagem inicial e de outras mensagens em diferentes canais, um grupo de pessoas se reuniu apaixonadas por construir uma rede de ajuda mútua, não apenas para habitação, mas para outras questões como alimentação e transporte.”

O grupo montou uma planilha pública onde qualquer pessoa pode agregar recursos oferecidos ou necessários. De lá, as pessoas que precisam de coisas podem entrar em contato com alguém que se inscreveu para oferecer suporte e coordenar como atender às suas necessidades.

Até agora, existem 300 pessoas que se inscreveram para fornecer vários recursos ou suporte para aqueles que precisam”, explicou Krabti. “A maior parte do trabalho de base foi digital, o que é realmente benéfico, já que as pessoas precisam permanecer dentro de casa para se proteger do COVID-19. A única vez em que tentamos estar pessoalmente é para entregar ajuda.

Uma forma semelhante de ajuda mútua está sendo oferecida às crianças em Ann Arbor. O Kekere Emergency Childcare Collective (Coletivo Emergencial de Cuidado a Crianças Kekere) foi formado em resposta ao fechamento de escolas relacionadas ao coronavírus. O grupo está se esforçando para organizar creches de ajuda mútua para famílias com crianças em idade pré-escolar e escolar. Assim como com os esforços em Ann Arbor, eles criaram um formulário online para quem precisa de creche, transporte, espaço para crianças, suprimentos, comida etc.

O fechamento de escolas é apenas uma forma de cancelamento que afeta as comunidades – outra comunidade duramente atingida são os artistas. Milhares de concertos, festivais e outras reuniões foram canceladas na última semana, e isso se intensificou à medida que os governos intervieram para restringir os eventos públicos. Isso é particularmente verdadeiro nas principais cidades artísticas como São Francisco, onde muitos artistas e performistas viram meses de datas agendadas evaporando quase da noite para o dia. Alguns estão mudando para eventos virtuais e ajudando outros artistas e produtores a fazer o mesmo. Por exemplo, o produtor de eventos de São Francisco, Scott Levkoff, diretor de criação da Playable Agency, que cancelou todos os eventos ao vivo de sua empresa, agora está organizando eventos virtuais, incluindo webinários de práticas recomendadas, noites de jogos de narração de histórias e programas de variedades para conseguir pagar os artistas.

A organização Springboard for the Arts (Trampolim para as Artes) também reuniu uma série de recursos para artistas durante a pandemia, incluindo um guia de “Princípios para Cancelamento Ético”, bem como folha de recursos para fundos de ajuda emergencial, advogados e subsídios de emergência.

“Muitos artistas dependem fortemente de contratos de trabalho para ganhar a vida, alimentar suas famílias e se sustentar. Sabemos que muitos artistas fazem esse trabalho sem contratos seguros que os protejam de cancelamentos ou perda de receita”

declarou a Springboard for the Arts em seu site. “Encorajamos empresas e organizações a ajudar a mitigar o impacto sobre artistas, freelancers e empreiteiros.”

Outro exemplo interessante de ajuda mútua vem da comunidade de código aberto. A Itália, que foi especialmente atingida pelo coronavírus, está enfrentando uma perigosa escassez de equipamentos hospitalares. Em resposta, um grupo de bons samaritanos tem usado sua impressora 3D para fazer novas válvulas respiratórias que estão distribuindo gratuitamente. Um esforço semelhante está sendo explorado por um designer de São Francisco que recentemente chamou outros designers e engenheiros para que projetassem um ventilador de código aberto.

Talvez uma das respostas mais negligenciadas e também mais importantes à pandemia do coronavírus se concentre em simplesmente promover a conexão humana. O isolamento pode ser incrivelmente desafiador – como seres humanos, ansiamos por conexão. Com isso em mente, um grupo no Facebook foi criado com o nome de Distance Resistance (Resistência à Distância), com o objetivo declarado de “promover a conexão humana em face do distanciamento social, com particular ênfase em formas de conexão que respeitem a segurança física das populações vulneráveis durante o surto de coronavírus.”

Com quase 3.000 membros já e centenas de postagens por dia, o grupo se dedica a fazer um “brainstorm” para as pessoas se conectarem virtualmente, ao mesmo tempo em que oferece oportunidades de liderança para indivíduos que normalmente não se consideram ser organizadores. O grupo pretende continuar após o fim das regras de distanciamento social, com o objetivo de comemorar o retorno à normalidade quando chegar a hora.

Uma série semelhante, mas muito maior, de grupos de Facebook surgiu no Canadá. Eles estão defendendo um movimento de “fomento ao cuidado” – um desafio à ideia de “fomento ao terror” que é tão predominante em tempos de crise. O movimento, que é composto por mais de 35 grupos no Facebook e mais de 30.000 membros no total, está pedindo às pessoas que “ofereçam ajuda a outras pessoas dentro de suas comunidades, particularmente aquelas que estão em maior risco de complicações de saúde relacionadas ao coronavírus”.

De volta aos Estados Unidos, ainda estamos nos estágios iniciais de combate à pandemia global de coronavírus. As ordens de distanciamento social estão aumentando rapidamente, visto que várias cidades e condados na Califórnia, incluindo na área da baía, já emitiram ordens de “abrigo no local”. Existem algumas medidas sendo propostas em todo o país que pretendem amenizar parte do sofrimento que se seguirá, como propostas de moratórias de despejo em cidades como São Francisco e São Jose, mas esses esforços provavelmente não irão longe o suficiente nem terão muito efeito sobre a grande maioria das pessoas.

Em tempos como estes, quando os governos falham, a ajuda mútua e a resposta da comunidade tornam-se uma alternativa não apenas para os mais vulneráveis, mas para comunidades inteiras. É uma pena que aqueles que estão no poder não estejam dispostos a se portar de forma adequada, mas, ao mesmo tempo, é encorajador ver que pessoas comuns em todo o mundo estão intervindo para preencher as lacunas, e com grande paixão e engenhosidade.

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